Deveríamos subir mais em árvores.
Deixar o símio tomar conta
e viver intensamente essa alegria.
Subir em galhos frondosos
conversar com as senhoras da natureza.
Sentir o abraço de uma folha,
deitar sobre os troncos mais antigos,
elevar o espírito nas alturas,
ninar ao balanço dos ventos.
Subir, bem alto, até perder a vista do chão!
Bom o dia
de receber a graça
de ser o momento
da vontade de viver
de planejar o futuro incerto
de regar a planta vida
de colher o fruto criativo
dia de ser feliz.
Meu coração voltou a bater como nuvens de trovão.
beijar-te
com arte
e corar-te
com amor
Meu coração voltou a bater.
a cozinha e o caos
coragem mulher
na cozinha
criatividade mulher
no caos
coragem
mulher
Enquanto o rio não corre.
a dor, que no coração angustia o peito
borbulha em sangue os sentimentos.
E então, de cinza fica azul
e rio vermelho e selvagem.
para sentir tua boca
azeitei o pão
e fiz chover alecrins.
Mar em fúria em pleno ventre,
única e frágil como poesia inacabada.
Pedaços que sorriem com o tempo.
Inteira por assumir os riscos,
e tão forte por ser imperfeita.
A dor que acompanha o coração do homem, passa por ele em direção ao céu.
A noite pode ser apenas uma permuta com a imaginação.
Deixar-se sonhar.Perdido na imensidão de desejos.
Cair de um penhasco, subir numa árvore,seguir para mais distante.
Sentir, apenas sentir. A noite, as flores de um jardim desconhecido, o ar.
Sentir o tempo a invadir todos os sentidos.
E sonhar.




A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA VIVIDA POR VLADÍMIR MAIAKOVSKI NO VERÃO NA DATCHA

(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)

A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casa dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
"Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!"
E grito ao sol:
"Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!"
E grito ao sol:
"Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?"
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
"Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!"
Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar -
eu lhe mostro
o samovar:
"Pois bem,
sente-se, astro!"
Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.
E o sol:
"Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!"
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
"Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos."
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

1920

Maiakovski (trad. Augusto de Campos)

(1. Datcha - casa de veraneio.
2. Versta - medida itinerária equivalente a 1,067m.
3. Rosta - A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias - as "janelas" Rosta -, de 1919 a 1922.)
"Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo."


Fernando Pessoa
deixa estar pequenina,
deixa que o dia já vem.
vai amanhecer florindo
regado por nuvens sorrindo
e tudo vai ficar bem.
Quando momentos de pequenas percepções nos entristece,
vem um desafio. Mergulhar em águas profundas até achar a claridade.
A poesia sou eu mesma
olhos grandes tristes sorridentes
que por vezes mesmo descontente
espera a tristeza passar
e volta a sorrir...
mesmo que seja a todo instante,
numa profusão de sentimentos
numa tempestade de momentos
vivo intensamente o que vier a ser.
me mostro me desnudo me entrego
me deixo levar.
reconheço,
mesmo metamorfoseando o universo
sou poesia incompleta
de palavras nada resta,
só meus olhos não podem calar
flores brancas
ondas delicadas
flutuam em águas brandas
e atravessam o oceano
poente
o que eu quero dizer está na boca
esperando a outra boca para a palavra nascer.